Data da Publicação: 29/03/2022
História do Povo Morcego
Narrador: Francisco Akikũ Kanoé. Gravação feita pela antropóloga Betty Mindlin. Transcrição Betty Mindlin, disponibilizado para o acervo do povo Kanoé no Site Memórias Indígenas em Rondônia e Noroeste de Mato Grosso por Fernando Kanoé.
A rapaziada foi apanhar gongo de ouricuri, palmeira muito conhecido na região de Rondônia. Esse gongo que dá no tronco da bela palmeira ouricuri e que costuma crescer nela.
-Vamos pegar os bichos para podermos comer! Juntaram quatro homens. No ouricurizal estava chovendo. Abrigaram-se na apuizeira, esconderam-se atrás da sacopemba e um deles ficou sozinho. Quando parou a chuva, o outro o chamou para ir embora.
- Vamos embora parente!
Saíram e foram embora e não o esperaram. Quando o rapaz foi procurar não viu ninguém.
-Me deixaram!
O morcego o chamou de um oco de árvore:
- Meu neto, entre aqui! Não é um pau e sim uma casa!
- Isso é um buraco de pau!
- Não, é casa!
O rapaz entrou, viu carne moqueado, caça, cabeça de gente espetadas em paus afiados. A vovó morcego o convidou para ficar e comer tripa de macaco. Porém não era macaco, o morcego matava os Kanoé. Comiam as tripas e colocavam as cabeças enfiadas em paus na casa.
- Ah, por isso nós os Kanoé da maloca estamos acabando!
Logo chegou um morcego - era grande - com gente nas costas:
- Está aí, vovó, está aí tripa para a senhora!
A vovó cozinhava. O rapaz embaixo da linha, com medo.
- Vovó, o que está cozinhando aí? Disse o caçador morcego, sentindo o cheiro do moço.
- São queixadas que passaram no terreiro!
- Por que você não matou?
- Eu queria matar, mas a borduna quebrou! A queixada gritou e fugiu.
- Parece que aqui tem uma pessoa escondida!
- Não tem nada meu neto!
Não demorou e chegou outro com gente nas costas, depois outro, depois outro.
- Neto vocês vão tomar banho, estão todos com sangue! Quando desceram para tomar banho, a vovó morcego escondeu o moço numa palha perto da porta.
- Meu neto, quando for de tarde e fecharmos a porta, você pula e vai embora.
Deu tripa de gente para ele:
- Come, meu neto, tripa de macaco!
- Como, não é tripa de gente!
Ela insistia. Ele ficou enfiado na palha.
- Eu vou fechar a porta, meus netos, você está cansado!
Quando a porta fechou o moço pulou. O bando de morcegos viu sua canela, correu atrás. Lá foi o rapaz com os morcegos o perseguindo. Passaram um bananal, chegaram na maloca dos Kanoé. Os morcegos não tiveram como entrar na maloca. O rapaz voou pela porta a dentro e desmoronou no chão.
- O que aconteceu?
- Quase me pegaram e me mataram!
Passou mais de meia hora sem falar. Os doutores, os pajés, vieram tomaram rapé, curaram e o moço ficou bom. Só foi contar a história inteira no outro dia.
- Parentes, por isso nós Kanoé estamos nos acabando.
Ontem eu entrei em uma casa, não é pau, não é sacopemba.
É uma casa onde dá para ver cabeça de gente, nossos parentes.
- Então se estamos acabando, vamos matá-los.
Tiraram muita linha, muito lenha e ajuntaram palha.
De manhã foram lá atear fogo. Morreram todos os matadores. Os Kanoé venceram os índios morcegos, grande inimigo do povo Kanoé.