Machadinha de Pedra

Data da Publicação: 05/07/2022


 

A história que será contada abaixo foi narrada por um ancião do povo Aruá, Anísio Aruá, morador da Aldeia São Luiz, Terra Indígena Rio Branco.

 

Machadinha de Pedra

 

Narrador: Ancião Anísio Aruá

Entrevista: Roseline Mezacasa

 

[...] Tinha um, diz que um Dono da Pedra, machadinha, quer dizer, um Dono do Machado de pedra, antigo né, na história. Os índios iam buscar esse machado, mas tem que ter uma pessoa ligeira porque ele [o Dono do Machado] matava. Aquele que era ligeiro levava o machado, aquele que não era ligeiro morria ali mesmo, aí ele comia. Diz que o Dono do Machado era assim. É, aí, diz que uma vez um cara disse: 

- Rapaz, eu vou criar meu filho para buscar machado pra nós. 

Não sei como que era o nome do Dono do Machado, tinha um nome, eu esqueci já. Aí diz que o filho dele nasceu. Aí foi dar um banho... dar um banho... dar um banho, até que o filho dele cresceu. Cresceu, aí experimentava o filho dele. Tacava flecha nele, jogava espada nele e ele era ligeiro, ligeiro, ligeiro mesmo. Aí: 

- Tá bom, agora você pode ir buscar machado para nós [...]!

- Tá bom, então eu vou! 

- Você vai chegar lá!

- Eu vou lá!

Aí pegou a flecha e foi embora. Porque, antes disso, ia muita gente, mas nunca voltava, nunca voltava. Não traziam machado, porque ele [o Dono do Machado de pedra] tinha muito, jirau cheio de machado tudo, aquele machado grande, assim, né, de pedra. Tinha tanto tipo, muito tipo, pequeno, grande, médio, tudo... grande é para gente grande. É. Aí ele foi: 

- Bom, eu vou lá! 

Aí foi lá. Chegou lá e gritou lá, andou assim com uma espada, né. Aí ele entrou lá e ele [o Dono do Machado] já veio de lá e disse:

- Recebe a nossa visita, recebe a nossa visita aí.

- Tá bom!

Aí a filha já veio receber ele. 

- Faz chicha para ele!

Aí ele mandou. 

- Bota banco! 

Aí ela botou banco. 

- Dá a chicha pra ele. 

Aí colocou chicha para ele, uma coisa grande assim, aí colocou, encheu. Aí, quando ele colocou a cuia na boca, secou. Aí deu. E o homem [o Dono do Machado] queria matar e nada. Aí: 

- Dá comida para ele!

Aí era uma cesta grande, cheia de comida, mudubim (amendoim) torrado, milho torrado, a carne, tudo. Aí ele, ele lá né. 

- Se ele ficar comendo abaixado eu vou matar ele. Pensou o Dono do Machado de pedra

Ficava lá atrás do rapaz. Aí quando ele botou comida na boca... acabou. Comeu muito rápido, porque rapaz era muito ligeiro...  Aí nada. 

- Poxa vida. Aí: 

- Ata a rede pro nosso neto!

 Ele falava neto. O Dono do Machado chamava de neto.

- Ata rede para ele, a tua rede. Aí ele vai dormir aqui. Amanhã que vai fazer a flecha para pagar o machado. 

Aí ele foi e deitou. Aí de noite ele ia lá, escutava ele roncar, escutava ele. Aí, quando bate assim o homem pulava lá. Nunca deu, não deu para matar. 

- Tá bom, meu neto, você é igual eu, eu sou ligeiro também. Eu era ligeiro quando era novo, ele falava. 

- Você é igual eu!

Aí amanheceu. 

- Dá chicha para ele. Muita chicha. 

Aí "tum", acabou. Aí, bom.

- Agora leva ele lá na pascana e leva um feixe de taquara, um feixe de lâmina, linha, tudo para ele fazer flecha, até o meio dia ele tá com toda a flecha pronta. 

- Tá bom. 

Aí o filho dele arrumou um feixe de taquara, lâmina, linha, tudo. 

- Vamo bora! 

Aí foi. No caminho ele falou com o cara. Disse: 

- Papai, papai é ruim. Não sei por que que papai faz isso. Porque não dá machado em troca de uma coisa. Papai já matou muita gente aqui. Ele não podia fazer isso. Matar a pessoa assim para comer. Eu nunca comi ninguém, não. Eu não como ninguém não. Ele que comia. Ele come gente. Ele não podia fazer isso. Mas você vai fazer as flechas?

- Não, eu vou fazer sim, até meio-dia essa frecha tudo pronta. 

-Tá bom. 

Aí foram lá, chegaram lá na pascana, aí ele começou a fazer. Tam... tam... tam... tam. Empenou a flecha e colocou a pupunha, tudo e foi fazendo, foi fazendo. Quando foi meio-dia, lá vem ele com a espada. Quando ele chegou lá ele já estava fazendo o derradeiro, aí derradeira flecha que ele estava fazendo. Diz que: 

- Poxa vida. 

Aí chegou, chegou. 

- Terminou?

- Terminei, tá aqui! Aí uma flecha. 

Aí ficaram em pé, ele [o Dono do Machado] e o filho. Lá vinha duas filhas com um pote grande e fogo. Aí quando chegaram, disseram: 

- Nós vamos tirar arapuá! 

E passaram, ficaram com vergonha e passaram. 

-Arruma o feixe... amarra as flechas aí para levar. 

Aí quando foi arrumando queria bater no rapaz, pulou lá. Aí: 

- Tá bom, vamos embora! Aí chegaram lá. 

- Dá a chicha pra ele! 

Mesma coisa. Já foi. 

- Bom, eu vou arrumar cofo cheinho de machado. Aí subiu lá em cima. Aí pegou um cofo grande assim. Aí colocou o machado de pedra, o machado grande e misturado com pequeno e tudo, por isso que tem muito machado espalhado, pequeno, grande. Aí ele falou: 

-Traz envira aí! Falou pro filho dele. 

- Tá bom, aqui tem!

- Não, esse aqui não. 

O filho dele queria colocar envira largo, por que era pesado, pesado demais. 

- Não, não, não, quero mais fino! 

Diz que queria e colocou mais fininho. Amarrou, amarrou. Pensou que quando ele suspendesse ia quebrar a envira, aí queria aproveitar. Aí ele amarrou. 

- Tá bom! Agora pode pegar o machado e ir embora!

Aí quando ele [o Dono do Machado] dentro da maloca estava com uma espada e veio aqui assim. Quando pegou o cofo, pensou que ia quebrar a linha, pegou e pulou nele, pegou ele. Mas o jovem ligeiro se mandou. Foi... foi... foi... foi... foi.

- Ah, não. Eu vou atrás dele. Vou matar ele. Ele vai pagar meu machado. Ele vai pagar meu machado. 

Aí pegou espada, flecha e foi atrás dele. Aí ele foi. 

- Não vai não, papai. Ele vai te matar. Ele vai te matar!

 Aí diz que: 

- Não, não, eu que vou matar ele.

Ele foi... foi... foi. Quando chegou lá perto da maloca... perto da maloca dele [do jovem ligeiro] se escondeu atrás da sacopema. Ele tinha duas flechas só. Se escondeu lá. Aí daqui a pouco lá vem ele [o Dono do Machado], falando: 

- Me paga, vai me pagar. 

Chegando assim aí ele [o jovem ligeiro] flechou ele [o Dono do Machado]. 

- [...] Aí pegou o cofo, aí chegou lá na maloca, aí foi, aí todo mundo ficava alegre quando ele chegou com o machado. Daí que o pai dele foi distribuir os machados de pedra para todo mundo e aí para todo mundo o machado. É isso. Assim que surgiu o negócio do machado. É.

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